quinta-feira, 25 de abril de 2013

Economia e Justiça estavam de melhor saúde antes do 25 de Abril





De acordo com o barómetro i/Pitagórica, os portugueses consideram que tanto a prosperidade económica do País, como a Justiça estão hoje em dia piores do que antes do 25 de Abril de 1974. Também a democracia em Portugal recebe nota negativa por parte dos inquiridos: 41,5% dos mesmos classificam-na de "má".
Comparando os dias actuais com aqueles anteriores ao 25 de Abril de 1974, 56,7% dos portugueses considera que a prosperidade económica do País piorou, e 49,1% têm opinião análoga no que à justiça portuguesa diz respeito.
Estes são os números apontados pelo Barómetro i/Pitagórica, sendo que o mesmo inquérito diagnostica ainda uma saúde muito débil da democracia nacional: 41,5% dos inquiridos entende que a democracia em Portugal é “má” e 41,8% acha mesmo que é pior do que a dos outros territórios que integram a União Europeia.
Em sentido contrário, para 45,5% dos portugueses a Segurança Social sofreu uma melhoria face aos dias em que vigorava o Estado Novo. Ao mesmo tempo, 51,4% considera que também a Educação está melhor, bem como a Saúde (60,7%).
Saliente-se que este estudo de opinião foi levado a cabo entre os dias 17 e 20 de Abril de 2013, tendo sido validadas 503 entrevistas.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Tem sentido manter Forças Armadas em Portugal?




O modo como o Governo trata as Forças Armadas revela-se na funcionalização dos seus membros

Em vez de andar a fazer cortes avulsos nas Forças Armadas, como se fosse possível cortar nas Forças Armadas como se corta numa qualquer repartição pública - que é o máximo que o pensamento governamental alcança -, dever-se-ia fazer uma outra discussão muito mais séria, muito mais importante, muito mais útil e muito menos ambígua: a de saber se Portugal precisa de ter Forças Armadas ou não. E, em função da resposta, tirar as consequências.

É uma discussão completamente legítima do ponto de vista democrático, uma opção possível, com consequências como todas as opções, mas que os portugueses podem querer fazer. Seria uma discussão muito mais sadia do que o que se está a fazer, que é, com muitas proclamações governamentais patrioteiras, muita parada em dias da pátria, muita revista às tropas na entrada das cerimónias, construir-se um ser disforme que não serve para coisa nenhuma. E é exactamente porque as pessoas percebem que é assim que se acaba por cavar ainda mais o fosso entre os portugueses e as suas Forças Armadas e dar razão aos que questionam se, sendo o que são, as nossas Forças Armadas têm qualquer sentido e justificam o dinheiro que com elas se gasta.

O modo como o Governo trata as Forças Armadas, a completa ausência de um pensamento sobre o seu sentido, revela-se na funcionalização dos seus membros, como se se tratasse de uns funcionários públicos particularmente inúteis que andam a brincar às guerras imaginárias, cheios de chefes e sem soldados, não podendo defender o país, nem defender os portugueses, nem invadir ninguém, com armas cada vez mais obsoletas e sem dinheiro sequer para as disparar, sem equipamento e sem combustíveis, com reduzidos efectivos por metas financeiras sem nexo e coerência operacional, não servindo para nenhuma missão.

Não vale a pena estar a escrever com pompa e circunstância "conceitos estratégicos de defesa nacional", se nada daquilo serve para qualquer estratégia, nem para a defesa, nem tem objectivo nacional. Duvido até que se tratá-lo como "conceito" não seja uma ofensa à filosofia. O que conta nesta triste situação é que o Governo português de José Sócrates, com o beneplácito de Passos Coelho e Paulo Portas, permitiu que um corpo de funcionários internacionais nos impusesse um documento em inglês que incluía medidas sobre as Forças Armadas, algo que mostra como a demissão da soberania não é apenas o resultado da bancarrota, mas também de uma perda de qualquer vergonha nacional por parte da elite do poder. Nenhum país que se respeitasse a si próprio permitiria que, num documento daquele teor, se estipulassem medidas sobre as Forças Armadas, mesmo que fosse normal que em sede própria pensasse em reduzir os seus gastos. Só que o fazia dentro e não por imposição de fora.

Claro que quando se trata de um corpo como as Forças Armadas como sendo apenas uma parte da função pública, suscita-se uma resposta que é do mesmo tipo: os militares tornam-se corporativos e reagem como se fossem uma corporação, defendendo salários e regalias. Mas o que é que se esperava, são tratados como funcionários menores de uma instituição sem utilidade pública, cara e inútil, ameaçada de extinção, e eles ficam-se? Não ficam, porque no actual contexto quem se fica perde duas vezes, até porque o Governo só é forte com os mais fracos. Não conseguiram os médicos e os reitores das universidades concessões e recuos quando começaram a protestar publicamente? É por isso que a situação entre os militares é grave, mas mais grave ainda é a situação das Forças Armadas nessa entidade tão estragada que é hoje Portugal.

Tudo isto traduz um caminho de desagregação identitária que uma geração sem saber nem memória faz com ao maior dos desplantes e inconsciência. Vai a par com um surto de federalismo subserviente, a aceitação de um Parlamento que perdeu o poder orçamental, a contínua deslocação das decisões de governação para a burocracia de Bruxelas. Se o caminho é este, como é que se poderia esperar que houvesse uma qualquer ideia sobre as Forças Armadas? O problema é que haver há, só não pode ser enunciada. A ideia é que as Forças Armadas são um anacronismo, demasiado caro, um corpo esquisito que não fala a linguagem da modernidade, e se rege por valores, essa coisa antiquada e tão pouco económica.

Infelizmente o que vai acontecer é que se está a criar a cama para que estas questões decisivas para a nossa identidade e soberania acabem por ser decididas na base de uma lógica de avanços e recuos, assente no mediatismo. Aliás, é um pouco o mesmo que acontece em muitas outras áreas da governação. Eu explico com um exemplo de alguma coisa que pode ocorrer amanhã.

Portugal tem responsabilidade pelos salvamentos numa parte importante do Atlântico Norte, resultado da posição das ilhas atlânticas e do grande espaço geográfico do mar português no coração desse oceano. É uma missão atribuída às Forças Armadas, em particular à Marinha e à Força Aérea, que mobiliza uma série de recursos, nomeadamente helicópteros com grande autonomia de voo, que podem deslocar-se quase até às fronteiras dos EUA. Nessa parte do Atlântico passa uma parte importante do tráfego marítimo.

Portugal reivindicou sempre, no quadro das suas relações internacionais, militares e civis, o controlo desse espaço, não apenas para cuidar de acidentes, mas também para defrontar ameaças à segurança e ataques terroristas, considerando que, se for outro país, seja a Espanha, seja os EUA, a assumir esse controlo, isso significa, queira-se ou não, um enfraquecimento da soberania nacional numa área particularmente sensível do território nacional. Mesmo, senhores economistas da escola governamental, numa área com enorme valor económico, porque inclui o controlo sobre o mar português e da sua zona económica exclusiva. Acresce que as fronteiras dessa zona entre a Madeira e as Canárias estão sujeitas a controvérsia, pelo que nem tudo é assim tão pacífico.

Não custa imaginar que, com a contínua deterioração dos meios militares, seja possível alguma coisa correr mal. Por exemplo, pode haver um acidente na área de nossa responsabilidade e os meios operacionais, que já estão esticados até ao limite, não terem a capacidade de garantir o salvamento de pessoas e bens ou um desastre ecológico qualquer. Vamos admitir, nesse caso, uma mais que provável condenação, pela imprensa estrangeira, espanhola, britânica, americana, com maior intensidade conforme a nacionalidade do país cujo barco ou nacionais sejam as vítimas, da incapacidade portuguesa para assegurar as suas responsabilidades. Será uma vergonha para a nossa imagem (como a bancarrota e os PIGS...) e, ou perdemos as nossas prerrogativas de controlo por incompetência, ou, se o escândalo tiver impacto nacional, lá vamos comprar apressadamente mais qualquer meio que já devíamos ter antes e que o corte da troika e dos seus executantes nacionais levaram a perder. Por surtos, como é habitual.

O mesmo pode acontecer numa disputa com o nosso vizinho espanhol, porque Deus pode dar nozes a quem não tem dentes, mas sem dentes não se comem nozes. Não estamos no tempo do Ultimato, nem se vai comprar um navio de guerra por subscrição nacional, mas talvez - e digo talvez porque nem disso já tenho a certeza - pode ser que haja um sobressalto nacional. Mas será tarde mais e vai-se acabar por engolir em seco e assobiar para o lado. No fundo para que é que servem as Selvagens? Que valor económico têm?

Se não quiserem Forças Armadas, e as substituírem seja por uma guarda costeira em vez de uma marinha, ou uma polícia pesada em vez de um exército, ou uma frota para salvamentos em vez de uma aviação, podem ter a certeza que tudo isto acontecerá. E bem se pode protestar, mas não haverá meios para ir buscar portugueses à Guiné, se houver um golpe de Estado sangrento que ameace os nossos compatriotas lá residentes, não se pode parar um avião terrorista que resolva atacar numa visita de um chefe de Estado estrangeiro de relevo, etc., etc.

Podemos contratar um desses exércitos privados que para aí existem, mas é muito caro, podemos fazer como fez a Islândia, que entregou aos EUA sua segurança, mas que não controla o seu espaço aéreo e vê os aviões russos a passar à vontade, depois de os americanos se irem embora. Poder, podemos, e vamos mais a caminho disso que outra coisa. Mas continuar como estamos, um pé dentro e outro fora, é que é pouco saudável. Para além das tentações corporativas, os militares sabem disso muito bem e por isso estão, eles também, indignados.









NOTA:
Este "artigo" de JOSÉ PACHECO PEREIRA, em minha opinião, diz grandes verdades!
- Faz-me pena que seja um "civil" a dizê-las...
- Lamento que, com raras e honrosas excepções, as poucas vozes de militares, sobre o assunto, sejam quase só sobre problemas profissionais e remuneratórios, e usando métodos semelhantes aos das habituais organizações de contestação laboral. 
- Lamento que os militares não se unam na defesa da "Instituição Militar", mais do que na defesa dos seus interesses. Porque, em minha opinião, são as Forças Armadas que estão a ser alvo de um ataque que, premeditadamente, as pretende reduzir a um pequeno grupo de profissionais sem poder, sem valores e sem mística.
Duarte Rui Fontoura

sábado, 20 de abril de 2013

O inocente





Portugal passa por um momento terrível, mas isso não o deve impedir de admirar esteticamente uma obra de arte excepcional. Ora o regresso de José Sócrates é um espantoso feito de técnica política, do mais alto nível mundial.


A personagem é notável. Verve, atitude, táctica são excelentes. Para lá das qualidades como tribuno e estratega, aquilo que o distingue dos demais e o coloca acima da sua geração é a total ausência de escrúpulos. Não existe a menor contemplação pela realidade dos factos, interesse nacional, simples decoro pessoal. Existe apenas um projecto de poder, e tudo lhe é sacrificado. Há muitas décadas que não tínhamos um político assim, e já nos esquecemos do estilo. Por isso tanto nos admira a quase inacreditável capacidade de imaginação e manipulação com que consegue sair de uma posição que seria desesperada para qualquer outro. Além disso é terrivelmente eficaz e convence mesmo. Digno de antologia!
 
Apresenta-se como totalmente inocente dos males que afligem o País. Foi primeiro-ministro durante mais de seis anos mas é inimputável pelo desastre que deflagrou nos últimos meses do seu mandato. A culpa vem de uma "crise das dívidas soberanas", que lhe é naturalmente alheia. E claro também de um terrível bando de malfeitores, onde se inclui o actual Governo, bancos, União Europeia e FMI, que pretendem, por razões não esclarecidas, destruir Portugal. Ele, pelo contrário, sempre esteve do lado do progresso e alegria, que infelizmente não se concretizaram.
 
Não é claro se mente descaradamente ou acredita mesmo na fábula, sofrendo de delírio. Em qualquer caso, todos os dados apontam para o facto de José Sócrates ser, não imoral, mas completamente amoral. Não se lhe parecem colocar quaisquer remorsos de consciência. Por isso é tão convincente. A nossa actual democracia nunca teve, em posições cimeiras, pessoas deste calibre. Assim Sócrates destaca-se flagrantemente.
 

É preciso dizer que ele ainda não atingiu os níveis do contemporâneo mestre absoluto da técnica, Silvio Berlusconi. Nem sequer é evidente que o português alguma vez consiga os feitos do italiano. No entanto, cabe-lhe um honroso segundo lugar. Esta atribuição não é forçada porque a relação entre ambos é evidente. Tirando eles, todos os líderes que estavam no poder quando bateu a crise, alguns deles de reconhecidas qualidades, caíram fragorosamente: Geir Haarde na Islândia, Kostas Karamanlis e George Papandreou na Grécia, José Luis Zapatero em Espanha, Brian Cowen na Irlanda, Yves Leterme na Bélgica, Nicolas Sarkozy em França, Gordon Brown no Reino Unido, George Bush nos EUA, etc. Todos forçados a sair de cena sem remissão. Deles, apenas Berlusconi e Sócrates mantêm esperanças de regresso, estando bastante avançados no processo. O estilo de ambos, apesar das diferenças, tem paralelos evidentes. Mas temos de admitir que o magnata transalpino, que saiu depois e regressou mais cedo do que o nosso engenheiro, tem evidente primazia.
 
Admirando o engenho e a arte, não podemos esquecer o muito que eles devem aos tempos que vivemos. É preciso recuar às primeiras décadas do século passado para encontrar casos semelhantes, porque nessa altura o mundo enfrentava dilemas e conflitos próximos dos actuais. O rancor das acusações, o ressurgimento da retórica antidemocrática, os contínuos apelos à Grande Depressão aproximam as duas épocas. Talvez tenhamos aprendido a evitar o pior dessa evolução, mas não admira o ressurgimento do mesmo tipo de animais políticos.
 
A única coisa que pode fazer a diferença é a capacidade dos eleitorados em resistir ao engano. O caso italiano assusta muito, porque repete traços da antiga trajectória, embora com diferenças significativas e ainda sem Mussolinis no horizonte. Portugal começou agora o seu processo. Veremos até que ponto a raiva pelos sacrifícios, junto com o ilusionismo, conseguirão fazer que o grande beneficiário da crise venha a ser aquele que indiscutivelmente foi o seu principal responsável. Isso seria uma obra de arte incomparável.

JOÃO CÉSAR DAS NEVES
DN 2013.04.08