ALENTEJO
sexta-feira, 19 de junho de 2015
Para Alentejanos/as, mas sobretudo para quem não o é… pode ser de alguma utilidade!
Abalei...
Eu - Abalei às 15h…
Ele - Tu o quê??
Eu - Abalei…
Ele - O que é isso?
Eu - Ora, fui-me embora…
Todo o bom alentejano “abala” para um sítio qualquer, que normalmente
é já ali. O ser já ali é uma forma de dizer que não é muito longe, mas
claro que qualquer aldeia perto, aqui no Alentejo, está no mínimo a
cerca de 30km. Só um alentejano sabe ser alentejano!
Um alentejano “amanha” as suas coisas, não as arranja, um alentejano
tem “cargas de fezes”, não tem problemas, um alentejano vai “à do ou à
da…” não vai a casa de…, um alentejano “inteira-se das coisas”, não
fica a saber… No Alentejo não há aldrabões, há “pantomineiros”, e aqui
também não se brinca, “manga-se”.
No Alentejo não se deita nada fora, “aventa-se” qualquer coisa e
comem-se “ervilhanas” ou “alcagoitas” (amendoins) e “malacuecos”
(farturas). Os alentejanos não espreitam nada nem ninguém, apenas se
“assomam”… E quando se “assomam”, muitas vezes podem mesmo ter dores
nos “artelhos” (tornozelos)!
As coisas velhas são “caliqueiras” e muitas vezes viaja-se de
“furgonete” (carrinha de caixa aberta), algo que pode deixar as
pessoas “alvoreadas” (desassossegadas). Quando algo não corre bem é
uma “moideira” (chatice) e ficamos “derramados” (aborrecidos) com a
situação, levando muitas a vezes a que as pessoas acabem por “garrear”
(discutir) umas com as outras e a fazerem grandes “descabeches”
(alaridos).
“Ainda-bem-não” (regulamente) as pessoas têm que puxar pela “mona”
(cabeça) para se desenrascarem quando muitas vezes a solução dos seus
problemas está mesmo “escarrapachada” (bem visível) à sua frente.
Não estou “repesa” (arrependida) de ter escrito esta pequena crónica,
com vista a lembrar detalhes do património oral que nos é tão próximo
e muitas vezes de “bradar” aos céus. “Dei fé” (pesquisei) a algumas
expressões e tentei não vos criar, a vós, leitores, uma grande
“moenga”, apenas quero que guardem algumas destas expressões na vossa
“alembradura” (lembrança)!
quarta-feira, 11 de junho de 2014
Ela, por ela, nunca a vi ter medo de coisa nenhuma
A Zezinha foi uma mulher de valores constantes, de paixões lúcidas, de causas consequentes, numa vida atravessada vicissitudes mas guiada por linhas de rumo bem definidas.
Texto lido na cerimónia de inauguração do monumento a Maria José Nogueira
Pinto:
Começo por agradecer, em meu nome, dos meus filhos,
das minhas cunhadas e de toda a nossa família, a iniciativa da Câmara Municipal
de Lisboa de erguer este monumento, da autoria do Arquitecto Rui Sanches, à
memória de Maria José Nogueira Pinto, a quem daqui para diante, chamarei
Zezinha, como todos nós sempre, na Família e entre os Amigos, a tratamos.
Estamos por isso gratos à Câmara de Lisboa – uma
instituição que a Zezinha integrou e serviu como vereadora eleita, com a
dedicação, a competência e o entusiasmo que punha em tudo o que fazia. E onde
deixou projectos como o da Baixa-Chiado, cuja importância e significado o Sr.
Presidente da Câmara já sublinhou nas palavras aqui ditas e que também
agradeço.
Sempre acreditei que os bons exemplos, sobretudo em tempo
e lugar em que não são frequentes, devem ser referidos e explicados, na
esperança de que tenham seguidores. E no caso da Zezinha estamos perante um
exemplo de amor à comunidade e de paixão pelo bem público.
Por isso, e só por isso, venci a natural reserva e
pudor de falar, em público, de uma pessoa com quem partilhei, durante quarenta
anos, a intimidade e o melhor e o mais difícil da vida.
Quero, desde já, agradecer o lugar escolhido para este
memorial: este canto de Jardim, entre duas praças emblemáticas da cidade, com
esta janela voltada ao Tejo, na Ribeira das Naus, em frente ao Arsenal da
Marinha, uma espécie de casa aberta ao rio, aos céu e aos outros, uma casa que
convida quem chega a sentar-se, uma casa sempre incompleta onde parte da obra é
feita e o resto é com Deus e com os que vêm depois.
O Tejo é rio de muitas aldeias: o rio da Aventura
portuguesa, da partida e do regresso das caravelas e das naus, o rio do
Império, símbolo e sinal da independência e da grandeza de Portugal; é o rio de
Lisboa.
E Lisboa é uma cidade muito ligada à Zezinha: a cidade
onde nasceu, a cidade onde estudou, a cidade onde nos conhecemos, onde casámos,
onde nasceram os nossos filhos. A cidade para onde voltou e onde trabalhou e
viveu quase toda a sua vida – salvo os tempos de África, do exílio e uma breve
comissão de serviço em Madrid –; cidade onde soube do mal que tinha e onde
vivemos essa última e dolorosa peregrinação; a cidade onde morreu.
A Zezinha foi uma mulher de valores constantes, de
paixões lúcidas, de causas consequentes, numa vida atravessada vicissitudes mas
guiada por linhas de rumo bem definidas.
Tinha uma concepção do mundo enraizada na crença e na
vivência de um cristianismo de convicção e de prática. Uma fé vivida de uma
forma generosa, aberta, livre, mais do Sermão da Montanha que dos Devocionários
piedosos. Uma fé ortodoxa mas fresca e generosa, aberta e lúcida perante o mundo
real. O que é "amar o próximo como a nós mesmos" senão pôr-nos na
pele dos outros, percebê-los, senti-los, procurar saber por que são assim,
sobretudo quando são diferentes, estranhos, inimigos, até? Não será essa a
verdadeira lógica evangélica? Ela assim o pensava.
Mas com este cristianismo profundamente enraizado na
prática e generosidade universal da sua mensagem, a Zezinha tinha também nas
coisas do mundo uma profunda e permanente racionalidade. Por isso falei há
bocado em paixão lúcida.
Foi essa mesma paixão lúcida que pôs no serviço
público – em funções de direcção na Maternidade Alfredo da Costa ou na Santa
Casa da Misericórdia de Lisboa. Estudava as questões, procurava os recursos e
as equipas e só depois avançava para a execução da obra. Todos o que
trabalharam com ela – e estão aqui alguns – sabem que era assim.
Para ela a vivência cristã enquadrava o serviço da
comunidade, ou das comunidades: primeiro do país, da pátria, de Portugal.
Contavam para ela os valores políticos, da polis, da independência, da
liberdade e da identidade nacional, porque sabia que todos os outros valores
políticos – as liberdades, a justiça, os direitos das pessoas e das
instituições, o primado das constituições e das leis –, só valiam, na sua
existência, se a nação e a comunidade fossem livres. Por isso, para ela, o
interesse nacional sempre passava à frente dos interesses das corporações, das
empresas, dos grupos, dos partidos. Esses, todos estes, eram instrumentos, eram
meios, para atingir fins, fins que eram determinados pelos princípios primeiros
e os serviam.
Para além de um cristianismo aplicado ao próximo
anónimo de todos os dias, para além de um patriotismo activo e consciente da
Nação real, a Zezinha cultivou e viveu a paixão da Família: da família de onde
vinha, da casa onde aprendeu os valores da cidade, e da família que criou
comigo e com os nossos filhos. A família alicerçada em valores religiosos e
políticos, e que, talvez por a saber e querer sólida, encarava com verdade, com
autenticidade e com a liberdade dos filhos de Deus, não cedendo a convenções
quando o exílio foi a alternativa à submissão. Então deixou para trás a casa
para ir comigo.
A Zezinha esteve na linha da frente das batalhas que
os católicos portugueses tiveram que travar nos nossos dias. Sempre com
coerência, sempre com inteligência, sempre afirmando as suas convicções contra
as dos seus adversários, mas no respeito pela humanidade e pela coerência
deles. Por isso estão aqui tantos que também se tornaram e são nossos amigos.
Também esteve assim na política: desde o dia em que,
aos 17 anos, furou sozinha uma greve académica, ao da partilha consciente e
consequente da sorte dos vencidos no final do Império. E depois teve, a noção
da mudança dos tempos, da urgência e importância do regresso, da volta à
normalidade, da necessidade de participar na luta política também na forma
canónica, normal, partidária, para servir os seus valores e ideais.
Devo dizê-lo, na condição de quem não entrou nessas
batalhas, ou nessa forma alinhada de lutar por valores e causas, que ela foi
para mim e para muitos o exemplo vivo de que se pode estar na acção
político-partidária sem, necessariamente, se perder a alma, a coerência, ou o
respeito próprio e dos outros.
Quer nos cargos políticos – governamentais e partidários
– por nomeação ou eleição, quer nas funções administrativas e burocráticas,
executivas ou de aconselhamento; quer nas colaborações jornalísticas ou nas
tribunas de opinião, sempre lhe vi um extremo escrúpulo no estudo dos problemas
ou dos dossiers, uma atenção de menina aplicada e respeitadora da necessidade
de saber para tentar compreender e decifrar o contraditório das matérias – para
depois, com os que tinham a experiência ou o saber especializado, se aconselhar
e debater e, finalmente, decidir.
E decidir com decisão, com escolha, sabendo que a
escolha tinha também um peso e um custo – do que era rejeitado e do que podia
gerar inimizades nessa hora.
Tudo isso implicou um modo e uma forma de estar e de
viver. E também não é novidade para nenhum dos presentes que foi um modo
generoso, livre e alegre, um modo que não tinha nada a ver com a solenidade
conselheiral dos salvadores do povo, mas ainda menos com a banalidade
desenvolta dos malabaristas que fazem da política uma sucessão de números, um
espectáculo mirabolante e surpreendente, sempre a pensarem no próximo coelho a
tirar da cartola, no próximo lenço a desfraldar na expectativa da apoteose ou
consagração mediáticas.
Não. Também nisso ela foi diferente e nós, os que
tivemos o privilégio de estar com ela, sabemos isso.
Finalmente e ainda sobre o seu modo de viver e estar
nas coisas, o que mais me impressionou na Zezinha foi nunca a ter visto com
medo – a não ser naquelas poucas vezes em que tivemos medo por alguém que nos
era próximo e nos era querido. Ela, por ela, nunca a vi ter medo de coisa
nenhuma: nem de passar fronteiras a salto, nem de chegar a lugares de exílio,
nem da falta de dinheiro, nem de combates políticos desiguais. Nem sequer de
humilhações ou derrotas.
E não lhe vi medo nenhum perante a morte. Pena sim,
pena de deixar a vida, a família, os netos pequeninos, esta cidade, este rio,
esta luz. Uma pena de uma pessoa viva e que gostava das coisas da vida.
Mas medo, não: nem da doença, nem dos tratamentos, nem
da morte que espreitava mais ou menos garantida ao virar da esquina. Acreditava
e confiava noutro Senhor e noutro Reino e isso via-se bem como o testemunhou o
Senhor Presidente da Câmara. Mas não era só isso.
Que este memorial sirva para a lembrar e a esse seu
caminho como exemplo para nós e para os outros. É o que podemos hoje, pensando
na perda, aqui desejar.
Lisboa, 27 de Maio 2014
Jaime Nogueira
Pinto, Observador,
28/5/2014, 14:26
COMENTÁRIO:
Caro Professor:
Parabéns pelo memorial e pelo texto supra. Utilizando
transcrições do seu livro “Jogos Africanos”/2008, que dedicou
ao nosso amigo comum Alfredo Aparício (e meu alferes na 6.ª companhia do
Regimento de Infantaria de Sá da Bandeira, sedeada em Buenga
Norte/Angola/1964-65), poder-se-á ver a força de ânimo de sua esposa,
“Zezinha”, em situação de emergência como a vivida naquela altura:
(…) “No dia 28 de Setembro (1974), em
Carmona/Uíge (…) À noite a Zezinha foi aos Correios telefonar para Lisboa (…)
Decidi sair para evitar ser preso.”
“(…) Lá montámos o plano de evasão. Como eu
não podia sair do quartel, a Zezinha declarou que tinha de ir a Luanda, ao
médico. E para lá seguiu na carreira da TAAG, para procurar junto dos nossos
amigos e correligionários locais, um voluntário com uma viatura que nos levasse
à fronteira da Namíbia no fim de semana que aí vinha.”
(…)” Tudo articulado, lá parti ao
lusco-fusco do dia de sexta-feira, com o Esteves, na carrinha do café. Com
alguma melancolia, dei uma última volta à casa antes de sair: lá ficou tudo – o
frigorífico cheio, os livros, aquelas varandas corridas, os cheiros de África.”
“(…) Perto do Alto Dondo, conseguimos
identificar na noite escura, o carro que vinha de Luanda. Era um Mercedes, topo
de gama, onde, para além da Zezinha, vinham o Miguel Corte-Real, o Zé Penha
Rodrigues e o Alfredo Aparício. O Miguel Corte-Real era um amigo do Porto e da
política; o Zé Penha Rodrigues fora Comando, era um ás do volante e o dono do
Mercedes; o Aparício era da tal “organização” e do núcleo fundacional da
Associação de Comandos que, com o Zé Pedro Caçorino Dias e o Victor Ribeiro,
tinha vindo para Luanda, por incumbência do Gilberto Santos e Castro. Que
também tinha o MFA atrás dele. Para o prender, entenda-se. (…)”
Caro Professor:
Foram tempos conturbados. Recordo que, como sabe,
os citados (então Major) Caçorino Dias e Comandante (TAP e Comando) Victor
Ribeiro se tinham deslocado a Angola, juntamente com o então Major José Pais e
o Alfredo Aparício, por ordem do Presidente da República, General António de
Spínola. Os três, que ficaram em Luanda para regressar a Lisboa, apenas o
conseguiram com grande dificuldade com passagens pagas na TAP, por um amigo
local, Joaquim Monteiro, pois estava previsto serem transportados em avião
militar. Isto para não serem presos pelo MFA local liderado por Pezarat
Correia. (In. meu livro “Memórias da Revolução; Portugal 1974-1975”/2004,
pp 36-37)
Manuel Bernardo,
Maio de 2014
Subscrever:
Mensagens (Atom)